segunda-feira, 20 de junho de 2016

COLUNA MEMÓRIA ORAL

Com: Alvino Augusto de Sá

Alvino Augusto de Sá
Recebi esse convite com muita satisfação para fazer esse depoimento ao museu penitenciário, pois aí que está o sentido de museu. Acho que o sentido de museu não é para exatamente visitar coisas históricas por mera curiosidade, mas é para construir memórias e, a partir dessa memória, refletir sobre o presente e construir o futuro, de forma particular. Em se tratando de museu penitenciário, eu acho que é de fato “ressignificar” uma história.
Eu entrei no sistema penitenciário em 1962, onde fiz estágio durante nove meses, com a função de aplicar provas psicológicas aos presos, provas de inteligências, de personalidade e era muito interessante aquilo tudo, aquele contato com os presos. Quando terminei o estágio fui convidado para trabalhar na estrutura, como psicólogo e entrei lá em 1962, como membro do famoso e já extinto Instituto de Biotipologia Criminal. Naquela época o IBC trabalhava dentro de uma criminologia meio que lombrosiana, biotipológica mesmo, em que o preso era tido como um ser diferenciado. Biologicamente e psicologicamente diferenciado, a gente queria até saber qual era o biótipo dele, seja lá qual fosse o tipo de crime.
Então eles eram pessoas assim, ditas em princípio, “perigosas”. Deveriam ser contidas o máximo possível e eram pessoas que deveriam ser disciplinadas. A disciplina era máxima, o rigor era máximo, o agente penitenciário era uma autoridade máxima na penitenciária na época: de um lado o agente penitenciário para manter a disciplina e manter a segurança e de outro lado, outra grande autoridade era o médico psicológico de Biotipologia.
Enquanto psicólogo, enquanto técnico, naquela época na nossa cabeça era que preso é um ser perigoso, é um biótipo próprio, tem uma personalidade própria, tem um corpo próprio. Assim nós éramos predispostos a dar pareceres contrários aos benefícios que eles pediam. Eu me lembro muito bem que o indivíduo passava por exame e nós fazíamos círculos de estudos. Naquela época, realmente, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, formavam um círculo com 15 técnicos para discutir um caso. E este caso vinha ao vivo e em cores; ele era chamado para discutir às vezes conosco, não todos, pegávamos alguns [individualmente] e ele vinha, e sentava em uma cadeira no centro e ali todos nós o entrevistávamos para o bem dele, não para nosso bem, para o nosso aprendizado e ele era transformado em objeto de aprendizado. Depois ele era dispensado, saía e nós íamos discutir a “Peça”, uma mera Peça! Um ser humano que era transformado em Peça de discussão.
Hoje sei que nós estamos na época em que deveríamos caminhar para a estratégia de reintegração. E para terminar digo, se o direito penal não caminhar perseguindo essa meta de inclusão, de tal sorte que, quando o juiz for impor alguma pena, ele não deve ser guiado pela sede de vingança. Como dizia Cesare Lombroso “Cuidado para não transformar a sentença em instrumento de vingança”.