quinta-feira, 28 de julho de 2016

COLUNA MEMÓRIA ORAL

Com: Kenarik bonjikian felipe

Me chamo Kenarik Bonjikian Felipe, atualmente sou desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo. Minha relação com o sistema penitenciário iniciou em 1983, quando fiz um estágio na Penitenciária do Estado e que marcou o resto da minha vida. 
Não é fácil ter a dimensão do que significa um sistema prisional, enquanto você não entra em uma grande unidade. Trouxe para a magistratura essa minha vivência; isso faz parte da minha vida, da minha história. As pessoas com quem eu convivi, os almoços que participei, as conversas e de como saber ouvir são importantes.
Em geral, a sociedade não tem noção de quão perverso é o dia a dia de uma prisão, aí falam: vamos aumentar a pena!  Como se as penas brasileiras fossem poucas; e não são poucas; e são elevadas! Esse tipo de pensamento é alimentado pelas grandes redes de mídia, como aquele apresentador do jornal da TV que comenta: “nós precisamos ter mais prisões, regime fechado integral, hediondo”.  A palavra hediondo começou a fazer parte do vocabulário, como se fosse algo comum e transportam isso para o direito, de uma forma absolutamente anômala; e deu no que deu. Na época da faculdade já aprendíamos: não importa a quantidade da pena; o que importa é não ser impune, e aí vem a lei de crimes hediondos que acaba comprovando isso: não adianta você aumentar a pena, não adianta você ficar aprisionando mais e mais, o que importa é não ter impunidade.
A política de encarceramento destes últimos anos deu esse “boom” de encarceramento e até recentemente, o condenado não podia progredir. Depois veio a alteração dessa lei, já que o Supremo Tribunal Federal se posicionou por sua inconstitucionalidade, mas para isso levou mais de uma década, com consequências terríveis para o sistema prisional.
Qual será o futuro, né? Nós precisamos repensar esse sistema; por isso que eu gosto da frase da Florizelle O’Connor que diz: “é preciso rever os conceitos de delito, castigo e justiça”. Tenho o sentimento de esperança que um dia a gente possa construir outro sistema de justiça, sem tantas prisões e, que é muito importante, que as prisões nunca saiam das mãos do Estado.
Minha experiência já tem mais de 30 anos e eu não consigo deixar de ter os olhos voltados para a questão prisional. Eu acho que este é um dos temas que mais representam a sociedade, então não vou desistir para que a gente um dia consiga mudar essa estrutura. 
Sei que vai exigir muito mais do que uma alteração só no sistema penitenciário, mas, com certeza existem muitas pessoas sonhando juntas. E é o sentimento de esperança que nutre a vida. Esperança para todos, para os que trabalham no sistema, para os que estão presos, para seus familiares, filhos e mães. E esperança para essa gente que manda os presos para a prisão, os juízes...