terça-feira, 8 de dezembro de 2015

COLUNA MEMÓRIA ORAL

  Com: Flávio Benassi França

Meu nome é Flávio Benassi França e trabalho no sistema penitenciário há 32 anos. Ingressei e
permaneci por um bom tempo, quase 18 anos, na Penitenciária do Estado, de lá segui para outras unidades já na estrutura mais nova: primeiro no Centro de Detenção Provisória de Chácara Belém e hoje me encontro no CDP de Pinheiros.
  Nesse tempo todo aprendi muito; têm algumas passagens marcantes na vida que mostram que o sistema prisional é uma caixinha de surpresa, a cada dia nos apresentando coisas diferentes, mostrando para nós situações totalmente atípicas a uma realidade do “lado de fora”.
Ingressei no sistema influenciado pelo meu pai, que também trabalhou por 28 anos.

  Ele entrou numa época em que o sistema era pequeno, a gente contava nos dedos das mãos as unidades [prisionais] que existiam em São Paulo. Primeiro ele foi cabo da Polícia Militar e trabalhou na Ilha Anchieta, até o levante da ilha, quando houve a desativação após as diversas mortes de policiais, detentos e familiares de policias que também residiam na ilha.
  Na época meu pai era responsável pelas embarcações, que tinham a incumbência de transportar os mantimentos entre o continente e a ilha. Ele sempre dizia que naquele lugar existam pessoas de grande periculosidade, mas havia uma harmonia entre policiais e familiares daquelas pessoas que estavam ali na ilha para fazer aquilo funcionar, e ninguém imaginava que um dia pudesse acontecer da forma que aconteceu.... No dia do levante na ilha, meu pai estava voltando de Ubatuba com uma barcaça carregada de mantimentos e no meio do trajeto, ele percebeu que algo estava errado na ilha.    A movimentação, fumaça, alguma coisa chamou a atenção dele. Fez meia volta, chegou em Ubatuba alertou o comando da PM, mas aí já foi muito tarde, muita gente havia morrido.
  Ele permaneceu por mais um período na ilha e depois pediu baixa da PM, passou a ser guarda de presídio, ingressou na Penitenciária do Estado numa época em que a PE não ultrapassava uma população de 1.000 detentos, 1.100 apenados.
  Convivi, conheci a PE quando criança porque às vezes eu ia com ele lá para dentro. Algo que ficou marcado em minha memória, e de muitos que visitam a unidade nesse período, é que no final do ano os detentos criavam um presépio.
  Um presépio de natal dentro de uma unidade prisional era uma coisa que encantava; todo final do ano existia um concurso para ver os detentos que se empenhavam mais na criação do presépio. Na minha cabeça de criança ficava a pergunta: como é que podia um cara preso fazer um trabalho daquele que era tão bonito e complexo, pois ele possuía movimentos, não era estático.
  Aquilo despertou interesse, nesse período existia também o Senai lá dentro, com diversos cursos. Então você via o detento trabalhando e aprendendo muito.
  A minha primeira farda, vamos assim dizendo, o meu primeiro uniforme foi feito por detentos, então existia aquela vontade de o camarada aprender uma profissão quando caia ali dentro, então você via a fabricação de móveis, roupas e outros cursos profissionais. Então era muito interessante esse trabalho.